segunda-feira, 17 de maio de 2010

clinging to a scheme


Costumo dizer que uma banda é realmente genial quando não há mais como, em um punhadinho de referências, rotular a sonoridade deles. Pra mim o grande diferencial entre eficiência e genialidade está, essencialmente, na originalidade. E para o suecos do The Radio Dept. foram precisos 13 anos, 3 álbuns e uma dezena de EPs para atingir, finalmente, esse tal diferencial.

Clinging To a Scheme, lançado no final de abril, é sem dúvida o pico da carreira da banda. Desde sua criação na cidade universitária de Lund, o grupo se caracterizou basicamente como seguidor dos reverbs e das melodias precisas de grupos como My Bloody Valentine, Lush e Slowdive. Como também dos sentimentalismos mais sutis e requintados de grupos seminais do twee pop, como The Field Mice. Claro, essas referências não sumiram, mas a elas foram incorporadas mais outros vários direcionamentos sonoros que, ao fim dos 34 minutos do álbum, não há como confundir o que se ouviu com qualquer outra banda que não o The Radio Dept.

Como já posto, o disco não é longo, mas as músicas carregam uma fluidez e dedicação melódica que mostram claramente porquê foram necessários quatro anos para sua finalização. A paleta sonora se expande para diversas direções em cada música, sempre com muita sutileza, mantendo a alma das canções com o ritmo e dinâmica familiar aos fãs da banda. A excelente "Heaven's on Fire" carrega o espírito do pop baleárico das bandas do selo Sincerely Yours, enquanto o delicado dub de "Never Follow Suit" oferece 4 minutos de perfeccionismo pop que você provavelmente não ouvirá outra vez este ano. Ainda tem o charmoso dance-pop de David, que lembra em momentos o pop low-key do Saint Ettienne.

O The Radio Dept. tem um ouvido excepcional quando se trata de manufaturar um arranjo que elegantemente casa com a voz meio Julian Casablancas-via-Jim Reid do vocalista Johan Duncanson. E as experimentações com outros ritmos mais distantes do costumeiro para grupos de shoegaze dão aos caras a singularidade que caracteriza o disco. As guitarras soam orgânicas, como se gravadas com equipamentos baratos, e o clima geral do disco ganha com isso um sopro mais vintage e de naturalidade.

Candidato seríssimo a melhor disco de 2010, Clinging To A Scheme é, mesmo com uma série de sonoridades, um disco coeso do começo ao fim e muitíssimo bem sequenciado. A habilidade do The Radio Dept. em unir bom senso estético, composição pop e organicidade sonora os distingue entre tantos outros grupos da cena dream-pop e, nesse disco, eles finalmente criaram sua pequena obra-prima.

pega eu!

domingo, 18 de abril de 2010

nme c86 comp


a revista new musical express fez ao longo de sua trajetória de já, sei lá, mais de 30 anos, várias compilações que vinham encartadas na revista. antes em K7, depois CD e agora um podcast básicão mesmo no site. enfim, o que importa é que várias dessas compilações fizeram história, principalmente nos anos 80, uma época em que o "jornalismo musical" era realmente relevante no meio impresso e, além da NME, outras três publicações semanais competiam pela atenção do público inglês.

o fato é que, como a C81 ajudou a consolidar a cena pós-punk londrina, a C86 fez com que o termo "indie" nascesse, de certa forma. todas as bandas na compilação faziam parte de uma cena fresca e em crescimento. um bando de garotos e garotas que gravavam seus singles sem nenhuma produção, músicas com 4 ou 5 notas, e sua atitude não tinha nada de "cool" - no sentido sexo, drogas e rock'n roll. tudo que essas bandas buscavam era se divertir fazendo música pop, as vezes triste, as vezes alegre, mas sempre com aquele senso de "essa música está falando por mim".

a compilação é um marco do indie pop pois levou essas bandas ao contato com o mainstream da época e inspirou como seguidores um bando de britânicos adolescentes, do tipo classe-média, estudante e inseguro sobre coisas como sexo, relacionamentos e, enfim, sobre todas aquelas descobertas tensas na transição da infância à vida adulta.

mais que um registro histórico, a C86 é uma baita coletânea de músicas cruas, diretas e sempre pautadas naquele hook de guitarra precioso com 4 notas que bandas dos anos 60 como byrds, beatles ou kinks faziam tão bem. foi o nascimento de um "trend" e o início de uma revolução na música alternativa que ainda reverbera nas bandas "indie" de hoje.

pega eu!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

autumn sweater

best love song ever? o yo la tengo a escreveu em 97.

junky


Indiscutível clássico cult, o primeiro romance de William Burroughs é um dos grandes cânones da literatura "drogada" dos beats e pós-beats e, junto ao cool jazz, levou o estilo de vida dos viciados em narcóticos pela primeira vez à cultura pop.

Embora mantenha um tom seco e lacônico ao descrever os sentimentos e personagens que seu narrador encontra ao decorrer da história, Burroughs é extremamente sincero e aberto em suas descrições, e já mostrava sinais da sua originalidade em descrever situações guturais e realizar confissões duras e honestas que tanto marcaria sua obra. Em Junky, o texto autobiográfico ganha uma perspectiva detalhista pela escolha do autor em utilizar o narrador como "testemunha ocular" de um modo de vida caótico e surreal a um público "careta". Tudo é muito bem descrito: os sentimentos, ações, pensamentos e encontros do narrador no submundo de Nova Iorque, New Orleans, na prisão e no México.

É interessante a sutil orientação etnográfica do livro, que pode ser visto como uma tentativa de Burroughs dismitificar o estereotipo do viciado e justificar a linguagem e o cotidiano de pessoas que a sociedade considera degeneradas. Ainda assim, o narrador não tem medo em expressar opiniões e falar sobre seus aspectos emocionais.

50 anos antes de Trainspotting, um dos "pais" da geração beat escreveu um retrato dos viciados de uma geração que vivia sob o conservadorismo da direita "Macartista" e fundada em preconceitos sexuais, raciais e sociais. E, mesmo considerando a vida do viciado algo decadente e sem sentido após ler o livro, o leitor não encontra essa direção ideológica no texto de Burroughs, que termina a estória sem se arrepender ou se orgulhar do vício, mas sim como alguém a quem foi apontado um objetivo de vida inexorável e que nada tem a fazer senão cumpri-lo.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

strangers on a train

Strangers on a Train, ou Pacto Sinistro conforme tradução no Brasil, é um filme do mestre Hitchcock lançado em 1951 que carrega muitas das "marcas registradas" do famoso diretor. Não propriamente um thriller ou suspense cheio de reviravoltas do tipo "quem é o culpado?", a trama carrega muitas sutilezas e um certo tom de humor negro, com toques de crueldade e sexualidade subliminar.

O roteiro é uma adaptação do romance homônimo da autora Patricia Highsmith, também responsável pelo aclamado "O Talentoso Mr. Ripley", e chegou a receber algumas linhas do grande expert da novela noir Raymond Chandler. Mas, uma briga de egos entre o escritor e o diretor fez com que a responsabilidade final pelo plot fosse parar nas mãos de Czenzi Ormonde, o que talvez tenha retirado do filme um certo feeling mais "realidade nua e crua" que Chandler sabe manufaturar tão bem. Mesmo assim, a técnica apurada e a habilidade de Hitchcock em controlar seus atores tão bem em cena faz de Strangers on a Train um clássico do cinema.

Tudo começa quando Guy Haines, um tenista amador em ascensão, e Bruno Anthony, um rico socialite com tendências psicóticas, cruzam-se em um trem de Nova Iorque a Metcalf. Ali, num encontro que deixa dúvidas se fora premeditado ou não, Bruno - que através dos tabloides de fofoca já está ciente dos problemas extraconjugais de Guy - utiliza de sua prosa persuasiva para convencê-lo da execução de um crime perfeito: Ele mataria a esposa infiel e promíscua de Guy para que este pudesse casar-se com seu verdadeiro amor, Anne Morton, enquanto ao tenista caberia assassinar o pai de Bruno, a quem o filho tanto detesta. Guy levanta-se e deixa a cabine perplexo com a proposta, enquanto o outro, imaginando que sua idéia fora aceita, resolve seguir com o plano. Aí começa o grande ponto de tensão do filme, em que Guy torna-se o óbvio suspeito pelo assassinato da esposa e Bruno o atormenta com sua suposta "obrigação" de matar ao pai do psicopata.

Há um uso bem interessante dos "duplos" - na onda do conceito "doppelganger" - na estória. Bruno é o duplo de Guy, no sentido que um é mal e o outro bom, um é fraco e o outro confiante, um é decadente e o outro promissor. Guy tem todos os aspectos de um homem independente de família com uma carreira ascendente enquanto Bruno é um solteirão de meia-idade, dotado de uma certa homossexualidade contida, e que ainda vive com os pais. O semelhante biotipo e estilo dos dois reforça essa duplicidade. Vemos doppelgangers também nas figuras da irmã caçula de Anne, Barbara (interpretada pela filha de Hitchcock, Patricia) e na de Miriam (Kasey Rogers), a esposa de Guy. As duas são tão semelhantes que a visão de Barbara faz Bruno entrar em colapso por incitar a lembrança de seu crime. Hitchcock brinca com os duplos várias vezes também na sua direção: ao mostrar o assassinato pelas lentes do óculos de Miriam ou ao filmar o jogo de sombras na cena do túnel do amor.

A performance de Robert Walker como Bruno é impecável, e de fato faz do personagem um dos melhores vilões Hitchcockianos. Seu perfil frágil porém manipulador o deixa mais próximo ao público que a figura de "playboy" de Guy. No fim, há quase que uma empatia natural em ver Bruno suceder com seu plano.

Embora com ecos de melodrama, a trama consegue manter o suspense por sua sutil profundidade psicológica, tão bem explorada com os close-ups, os planos e a montagem de Hitchcock. Strangers on a Train não chega à excelência dos grandes Psycho, Vertigo, Notorious ou Shadow of a Doubt, mas tem todos os ingredientes de uma experiência cinematográfica única, que ainda hoje é extremamente copiada em muitos thrillers psicológicos.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

ladies and gentlemen, we are floating in space



Esse disco é daqueles que fala com você de diversas maneiras. Da melancolia ao rancor, da paranóia à segurança, da ansiedade à tranquilidade. Jason Pierce escreveu sua única grande obra-prima com esse disco de 97, uma espécie de tour-de-force noise/gospel que de uma forma arrebatadora transformou a cena do britpop.

Naquele ano, o Oasis abusava da psicodelia, o Blur partia pra um noise mais anárquico, e o Verve e o Pulp faziam canções que, mesmo com toda sua roupagem moderninha, ainda mantinham fidelidade ao rock britânico sessentista. Não foi o caso com o Spiritualized, que pariu (sim, foram dois anos gravando) 12 classicões que, como a capa sugere, devem ser não apenas ouvidos, mas ingeridos, como boletas tarja preta, daquelas que levam nossa consciência ao inconsciente, o ego ao superego, como num pêndulo oscilando entre a fúria e o delicado, entre a amargura e o êxtase, o amor e o ódio.

E só pensando em dualidades é possível compreender como este disco flui. Pode ser uma súplica ao perdão de um amor perdido, ou mesmo um atestado de superação de um coração partido; Mas quem não disse que pode ser também a ânsia por mais uma picada de heroína, mais uma dose de whiskey, ou um momento de tranquilidade do viciado perdido que se livra da dependência e encontra-se novamente? As interpretações são várias, mas a dualidade persiste.

Jason Pierce nega, mas é facílimo remeter as letras do disco ao fim do seu romance com Kate Radley, que era sua tecladista e o chifrou com Richard Ashcroft (líder do Verve). O verso "All I want in life's a little bit of love to take the pain away", é repetidamente sussurado por Pierce na faixa-título enquanto outros loops repetem versos que remetem à superação de um daqueles "fracassos existenciais" da vida. Dorzinha de corno desgraçada hein? Ironicamente ou não, é a voz de Kate que sussurra "Ladies and gentlemen, we are floating in space" no início da música, como se dissesse que não faz diferença se importar com o amor, com a dor, com a felicidade - afinal nada somos além de massas inertes flutuando num espaço sem fim.

Eu podia falar mil coisas sobre cada canção desse disco e o quanto elas encontram identificação em qualquer merdão nos seus vinte e poucos anos. Desses que, arrasados com suas decepções amorosas, existenciais, profissionais e que, sem muitas perspectivas, buscam nas drogas um alívio para suas nóias. Com 70 minutos de duração, o disco se infiltra na alma de quem ouve e convida-nos a essa viagem, esse egotrip que não é só do Jason Pierce: é de todos nós com um coração pulsante e com aquela porcaria arregaçada e problemática na cabeça que chamamos carinhosamente de cérebro. Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space é, acima de tudo, um álbum de empatia e, uma vez conectado a ele, largá-lo é tão difícil quanto largar o pico.

Be cool everyday

Tudo na vida parte de pequenas iniciativas. Inúteis ou não, elas pelo menos lhe dão algo em que se dedicar e focar sua atenção, o que vem bem a calhar principalmente em momentos de crise existencial. É por esse motivo que eu, enquanto um proto-jornalista sem muitas perspectivas futuras e carente de oportunidades para exercitar meu texto com coisas do meu interesse, resolvi me colocar à prova.

Pretendo aqui realizar uma postagem diária com um tema diferente para cada um dos dias da semana, sempre focando as "cool things". Coisas realmente muito legais sobre cada área que devoto grande paixão: música, cinema, literatura, culinária, turismo, design e, até mesmo, a arte de se embebedar com estilo.

Muito embora a ferramenta do "blog" seja magnífica no sentido de colocar quaisquer porcarias verbais ao alcance de qualquer bípede com polegares opositores e encéfalo altamente desenvolvido, eu compreendo que atingir um número relevante de leitores seja algo quase impossível. De qualquer maneira, crio esse blog em especial à mim mesmo, como um exercício de autoconhecimento e de eficácia na escrita e construção de sentido.

Claro, todos que caírem nesse endereço estão mais que benvindos, e espero que as "cool things" que eu vir a experimentar também sejam tão legais à vossas mercês quanto serão a mim.